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Autor: João Paulo Cavalaro Rezende

Colaboradores: Lara Dayeh Bocato, Gabriela Morato e Carolina Salem

Introdução

Diabetes é uma condição clínica na qual a habilidade do organismo de absorver quantidades significativas de glicose está comprometida – e seu metabolismo também. Devido à dificuldade de absorver glicose do sangue, uma grande quantia de glicose pode se acumular no plasma, levando ao estado conhecido como hiperglicemia.
A glicose é a principal fonte de energia do organismo, porém em grandes quantidades pode ser danoso à saúde. E com a hiperglicemia crônica, existe um aumento no risco do aparecimento de complicações vasculares relacionadas ao diabetes melito, situação que constitui a principal causa de morbimortalidade em países mais desenvolvidos.
Entre algumas complicações do diabetes encontramos os problemas vasculares, e a causa dessas complicações vasculares envolvem os efeitos patológicos dos AGEs (produtos finais da glicação avançada), que tem formação mais acentuada durante a hiperglicemia. Os efeitos dos AGEs envolvem modificação e propriedades funcionais e químicas de várias estruturas. Essas substâncias têm a capacidade de criar ligações com proteínas e/ou interagir com receptores de membrana (proteínas de membrana que possui uma expressão extracelular). Estresse oxidativo e alterações morfofuncionais e efeitos que potencializam a liberação de mediadores inflamatórios.
Portanto, esse texto tratará do mecanismo pelo qual o diabetes e sua conseqüente glicemia (quando não tratada) causam alterações nos vasos sanguíneos do organismo.


Produtos Finais da Glicação Avançada (AGEs)

Grande parte dos mecanismos de formação dessas substâncias é desconhecida. Porém algumas delas são conhecidas.
A glicose quando ligada a parte amina de proteínas é capaz de formar a base de schiff instável. Essa molécula instável pode transformar-se e sofrer rearranjos, tornando-se uma substância chamada Amadori product, que na permanência do estado hiperglicêmico se transforma em AGEs.

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Fonte: http://www.revistasobrape.com.br/arquivos/set2008/artigo2.pdf

Outro mecanismo de formação de AGEs é conhecido como ‘’via do estresse carbonílico’’, onde a oxidação de lipídeos gera produtos bastante reativos (produtos intermediários da formação de produtos finais da glicação avançada).
A formação de AGEs é definitiva, ou seja, quando formados e ligados a proteínas, essa ligação irá continuar durante toda a meia-vida, mesmo que os níveis glicêmicos retornem a normalidade.

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Fonte: http://www.revistasobrape.com.br/arquivos/set2008/artigo2.pdf














Metabolismo dos AGEs

A quantidade de AGEs presente no organismo depende de um balanço mantido entre absorção exógena e formação endógena de AGEs aumentando a concentração no organismo e eliminação e degradação dos produtos finais da glicação avançada pelo metabolismo corporal.
As moléculas de AGEs, em condições fisiológicas, tem bastante influência no envelhecimento, pois atuam na fibra de colágeno, já que esta possui uma meia-vida relativamente longa (AGEs concentram suas ações predominantemente em moléculas de meia-vida longa). Porém, na condição hiperglicêmica a síntese dessas substâncias aumenta significativamente, aumentam de forma acentuada a sua concentração. A hiperglicemia é considerada o fator que inicia a alta produção dessas moléculas.
A síntese de AGEs endógena é a principal via para aumentar a sua concentração, porém eles podem ser absorvidos de fontes exógenas como fumo e dieta, sendo os alimentos mais ricos em lipídeos os maiores fornecedores do conteúdo dietético de AGEs. Do montante de AGEs absorvido, apenas dois terços ficaram armazenados no organismo, o restante (um terço) será excretado na urina.
Os macrófagos são responsáveis pela depuração de AGEs dos tecidos. Esse processo inicia com a quebra de proteínas seguida por endocitose – realizada através de receptores específicos. O conteúdo endocitado é processado dentro da célula e depois liberado de uma forma que seja mais fácil a excreção na urina. Portando a remoção de AGEs do organismo depende, em última instância, da eficiência dos macrófagos renais.



Mecanismo de Ação dos AGEs

Os AGEs produzem danos teciduais através de três mecanismos (modificação de estruturas intracelulares, interação de AGEs com proteínas extracelulares, causando modificação de sinalizações entre matriz extracelular e célula e modificação de proteínas e lipídeos sanguíneos – essas substâncias quando alteradas podem interagir com receptores específicos, e como estão modificadas, produzirão respostas diferenciadas, como liberação e mediadores inflamatórios.
Os AGEs são capazes de alterar a disposição geométrica de proteínas, causando uma alteração permanente da estrutura e da função de proteínas. Sabe-se que os AGEs interagem com colágeno tipo I e elastina e produzem essas alterações geométricas citadas, resultando em aumento anormal da matriz extracelular e conseqüente rigidez dos vasos sanguíneos. Essas estruturas, quando alteradas dessa forma, tornam-se resistentes à degradação enzimática, e, portanto, prolonga sua meia vida e aumenta a lesão tecidual.

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Fonte: http://2.bp.blogspot.com/_Mz8ozpDdEdQ/TT2GfC-O40I/AAAAAAAAAqM/ip0kPRGy0o8/s640/fig2.jpg

O produto final da glicação avançada também pode alterar a comunicação entre matriz extracelular e célula. Essa diminuição de interação é provocada pela diminuição de adesão entre as células endoteliais, que é causada por ligações de AGEs e domínios de ligações celulares do colágeno tipo IV.
Existe um receptor chamado RAGE (expressão aumentada em diabéticos), pertence a uma família de imunoglobulinas de superfície celulares, que estão dispostos em macrófagos, linfócitos, fibroblastos e célula endoteliais. A interação entre AGEs e receptores RAGE aumentam a liberação de mediadores inflamatórios. Esse fato acontece devido a ativação dos receptores de macrófagos. Quando AGEs se ligam a receptores para AGEs nas células, uma alteração no metabolismo é iniciada, o que provoca liberação de radicais de oxigênio, induzindo o estresse oxidativo celular, que pode ser responsável por problemas vasculares. O bloqueio do receptor RAGE pode inibir as atividades dos AGEs via receptor (a presença do RAGE é fundamental para o comprometimento da resposta angiogênica no diabetes). Com o comprometimento desse receptor a resposta angiogênica – que estaria suprimida – volta ao normal.
O receptor RAGE possui o seu gene situado em uma região bastante próxima de genes responsáveis pela formação de mediadores inflamatórios. Dessa forma, essa região do cromossomo como um todo controla a expressão do receptor e do processo inflamatório. Portando, quando os produtos finais da glicação avançada interagem com os receptores RAGE, provoca uma liberação de substâncias pró-inflamatórias
Em condições fisiológicas, o receptor RAGE tem uma expressão limitada na vasculatura, porém em condições de excesso – de AGEs – está muito presente em monócitos, macrófagos, células musculares lisas, células endoteliais e astrócitos (mostrando um exemplo de feedback positivo – onde a presença de AGEs gera maior número de receptores).

Complicações Diabéticas

Os leitos microvasculares podem sofrer alterações funcionais, onde as células do endotélio são continuamente lesadas pela hiperglicemia, e esse processo é denominado microangiopatia diabética e pode causar isquemia, oclusão capilar e, conseqüentemente falência de órgãos. A macroangiopatia diabética contempla complicações cardiovasculares e é a principal causa de morbimortalidade em pacientes com diabete.
Na microangiopatia diabética, entre as células mais afetadas encontramos capilares da retina, células capilares do glomérulo renal, neurônios e células de Schwann de nervos periféricos. Nesses locais as células não possuem muita habilidade de controlar a entrada de glicose para o meio intracelular, portanto são mais afetadas por grandes concentrações de glicose.

Retinopatia Diabética

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Fonte: http://diabetesunb.blogspot.com.br/2011/06/retinopatia-diabetica.html

A retinopatia diabética é a complicação ocular mais grave do diabetes. Mesmo sendo de natureza multifatorial, a diabetes acompanhada de hiperglicemia é considerada uma das principais causas de cegueira de indivíduos em idade produtiva. A hiperglicemia altera a disposição dos vasos, provocando uma redução de calibre e alterações de consistência, elasticidade e permeabilidade. Todos esses eventos vasculares são iniciados pelos produtos finais da glicação avançada. Os AGEs interagem com seus receptores RAGEs e provocam uma superprodução de fator de crescimento de células do endotélio, que estimulará a angiogênese – que está envolvida na patogênese da retinopatia diabética. Dessa forma, a irrigação ocular se torna deficiente e provoca alterações na visão.

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Fonte: http://www.ergovisao.pt/files/retinopatia.pdf







Nefropatia Diabética

Na nefropatia diabética notam-se proteínas sendo excretadas na urina, que é uma situação anormal, pois normalmente as proteínas não são filtradas durante a filtração glomerular. A nefropatia diabética também é caracterizada por um aumento notável da pressão sanguínea devido ao declínio da função renal.
Ainda que a seqüência de eventos que leva à nefropatia diabética não esteja muito esclarecida, é de conhecimento médico que grande parte das células renais possuem alta capacidade de armazenamento de AGEs, e, portanto, em casos de altos valores de concentração de glicose, esses produtos são formados e armazenados nas células renais. A presença de AGEs nas células renais estimula a formação de substâncias que são presentes na matriz do colágeno, fato que possui uma contribuição importante no espessamento da membrana basal – situação característica da nefropatia diabética. Todas essas situações somadas são capazes de causar sintomas relevantes que levam ao diagnóstico de nefropatia diabética.



Pé Diabético

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Fonte: http://www.virtualsaude.com.br/produto-330-replica_de_modelo_pe_diabetico_metade

O Diabetes mellitus, e sua conseqüente hiperglicemia, é a principal causa de amputação de membro inferior não traumática no Brasil.
O pé diabético representa uma das complicações mais devastadoras relacionada à hiperglicemia. Essa situação envolve infecção, ulceração e destruição de tecidos profundos que se relacionam com anormalidades neurológicas e irrigação arterial periférica. A irrigação do pé começa a ficar deficiente por causa do acúmulo dos produtos finais da glicação avançada nos seus vasos, o que pode acabar em isquemia do pé e conseqüente necrose. Devido à necrose, existem várias situações em que a amputação do membro se faz necessária.

Doença Cardiovascular

A doença cardiovascular é a principal causa de morte em indivíduos com diabetes e apresenta maior taxa de morbidade em diabéticos quando comparada à população total (cerca de 70% dos indivíduos com diabetes terão como sua causa de morte uma doença cardiovascular).
A relação entre níveis glicêmicos e o desenvolvimento da doença cardiovascular na diabetes não está tão nítida como nas microangiopatias já que grandes estudos falharam em comprovar isso. Além disso, percebe-se que mesmo quando os pacientes diabetes possuem um bom controle da glicemia, eles possuem um risco bem maior quando comparados à população geral (os mecanismos não são muito bem compreendidos).


Considerações Finais

A diabetes não tratada com altos índices glicêmicos é bastante prejudicial para várias partes do organismo de pacientes. Portanto, esse tema deve ser bastante entendido e absorvido pela população em geral, pois a compressão de seus mecanismos leva a uma maior aderência à tratamentos.
Grande parte das situações expostas no texto podem ser prevenidas, desde que tenha um acompanhamento médico adequado e que o indivíduo siga corretamente o tratamento indicado pelo profissional de saúde envolvido. Dessa forma, situações como retinopatia, nefropatia e outras complicações vasculares em geral que levam a uma seqüela que compromete o resto da vida da pessoa – como acontece com amputações - podem ser prevenidas.


Referências Bibliográficas

1.    GOLDMAN, L.; AUSIELLO, D. Cecil – Tratado de Medicina Interna. 23ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.
2.    HARRISON, T.R.; PETERSDORF, R.G. Harrison Medicina Interna. 10ª Ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1984.
3.    LOPES, Antonio Carlos. Tratado de Clínica Médica. 2.ed. Roca, 2009.
4.    BARBOSA, J.H.P; OLIVEIRA, S.L. O papel dos produtos Finais da Glicação Avançada (AGEs) no Desencadeamento das Complicações Vasculares do Diabetes. Arq Bras Endocrinol Metab vol.52 no.6 São Paulo Aug. 2008.
5.    KERBAUY, D.W., et al. Produtos finais de glicosilação avançada (AGE) e a exacerbação da doença periodontqal em diabéticos - Revisão de literatura Revista de Periodontia, v. 18, n.3, 2008.


Links Relacionados

Retinopatia diabética – Clínica especializada na visão:

http://www.ergovisao.pt/files/retinopatia.pdf


Complicações: retinopatia diabética:
http://diabetesunb.blogspot.com.br/2011/06/retinopatia-diabetica.html


Ação integral ao portador de pé diabético – Jornal Vascular Brasileiro:
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1677-54492011000600001&script=sci_arttext


Diabetes e suas complicações:
http://www.medicinageriatrica.com.br/2007/07/31/diabetes-complicacoes/


Doença Vascular e Diabetes – Nelson De Luccia:
http://www.jvascbr.com.br/03-02-01/03-02-01-49/03-02-01-49.pdf


A hiperglicemia e os mecanismos envolvidos nas disfunções vasculares do diabetes mellitus – Nelson Rodrigues da Silva e Cecília Edna Mareze da Costa:
http://revistas.unipar.br/saude/article/viewFile/2544/1987

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